Fui à academia hoje e resolvi escutar uma playlist-fusão entre Nina Simone e Lauryn Hill. Foi a injeção de energia que eu estava precisando para fazer aquela esteira andar. Os dez minutos iniciais, na esteira, são os mais cruciais porque é quando o corpo começa a esquentar e a mente a arrefecer. Todavia, o esquema de corpo quente e mente fria não estava acontecendo “automaticamente” como de costume e eu tive que apertar o botão B para extra motivação. Então, eu me peguei em vários pensamentos motivacionais através do ódio. O quê!? Vocês não sabiam que o ódio é um ótimo combustível? Para a academia eu uso quase sempre. O discurso de hoje na esteira para "Eu, Eu mesma e Irene"(peguem a referência fílmica) foi baseado no título de um livro que será lançamento em breve pela editora Daruê e chama-se “neoliberalismo como gestão do sofrimento psíquico”. Antes de mais, eu ainda não li o livro. Mas fiquei refletindo no título e fui levada às várias camadas de raiva que eu carrego. Uma delas é que a precarização é um rolê avassalador, fisicamente e emocionante.
Recentemente eu concluí uma licenciatura. Peguei-me pensando dias atrás que ainda não tinha elaborado uma reflexão a sério sobre como foram tumultuados os meus anos de licenciatura e que eu deveria ter comemorado intensamente a conclusão da mesma. A turbulência universitária não tinha propriamente ligação com dúvidas intelectuais de eu ser capaz ou não de levar o projeto à frente, mas, porque algumas coisas à minha volta diziam que não seria possível. Não era possível ser imigrante, trabalhar em restauração (horas e horas e horas) e fazer uma licenciatura.Tive que fazer algumas escolhas e a pandemia fez outras por mim. Lembro que o problema nem era tanto o cansaço físico — só quem é/foi imigrante e já trabalhou em restaurante aqui, em Portugal, sabe do monstro que eu estou falando —, mas o cansaço emocional. O cansaço de ser vista e ver-se precarizada. Nossa, até a minha memória cansa em pensar na lista infindável de situações desagradáveis que vivi simplesmente por existir neste corpo. Mas isso é conversa para outra altura. O que eu queria falar mesmo era sobre a raiva como pré-treino para a academia, e para a vida, junto com uma playlist babado podem te incentivar a se exercitar, a não sucumbir, pelo menos não fisicamente, né gatas?!(olá, terapia! rs). A peleja é grande, mas podemos pelejar com mais fôlego, com mais resistência e sendo as gostosas que somos. Lembro aqui que o conceito de "gostosa" é heterogêneo. Seja o seu próprio conceito de gostosa.
Quando eu pensei em escrever este pequeno texto me veio a imagem da Garnet, a personagem do desenho animado “Steven universo”que está ilustrando o texto. Talvez tenha pensado nela porque ela carrega consigo coisas que gosto. Uma super-heroína negra, formada por duas outras heroínas menores que, apenas quando estão fundidas, uma com a outra, atingem o máximo potencial de ambas que nesse momento é uma, a Garnet. Eu gosto do tema do duplo, da procura de várias outras em mim e fora de mim. Quiçá, goste do tema também porque de alguma maneira está ligado à ancestralidade. Eu lembro de, há muitos anos, em uma aula de biologia sobre reprodução, o professor falar sobre as pessoas que nascem com ovários já carregarem todos os óvulos que irão ser usados ou descartados (menstruação) ao longo da vida; e na fase da adolescência, esses óvulos irão apenas amadurecer. Ao contrário das pessoas que nascem com testículos que apenas na fase da adolescência passam a produzir os espermatozoides. Essa informação me fascinou naquela época e continua a me fascinar. Imediatamente eu pensei que mesmo antes de existir enquanto ser, eu já existia enquanto “impressão” dentro de minha avó, através de minha mãe. E minha avó, dentro da avó dela através de sua mãe..., ou seja, somos compostas de muitas impressões, ecos, desejos, sonhos que foram sonhados em outros tempos.
A reflexão na esteira, escutando a fusão interestelar de Nina Simone e Lauryn Hill, foi fecunda. Olhei-me algumas vezes pelo reflexo do vidro à minha frente e que feliz surpresa quando não me vi somente. De alguma maneira, ou de todas, eu vi todas que estiveram antes, muito antes, séculos antes de mim. Lembraram-me do propósito que fiz neste ano de tentar não sucumbir por este sistema aniquilador. Não será fácil, mas faço este pequeno texto para ir lembrando sempre que precisar: 1)exercício físico me faz bem 2)Nina Simone e Lauryn Hill me motivam 3) há muitos eus em mim 4) intempéries irão acontecer, pelo menos eu serei uma grande gostosa no meio da tempestade.
Playlist no Youtube Nina Simone e Lauryn Hill
Livro "Neoliberalismo como gestão do sofrimento psíquico"
Livro "Neoliberalismo como gestão do sofrimento psíquico" (Brasil)
Eu amo ir a academia com ódio. Faço uma evolução de carga incrível! Melhor combustível!
Eu também pirei quando parei para pensar sobre já estar na barriga de minha avó junto com minha mãe. Eu amo isso!
Ms Lauryn Hill e Nina são motivos suficientes para nos mantermos motivadas a continuar vivendo.
Adorei o texto.
Um beijo